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quarta-feira, 30 de abril de 2014
terça-feira, 29 de abril de 2014
Candombe - Pedro Figari
Candombe: manifestação cultural do Uruguai, vindo com os escravos
da África.
da África.
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Teoria do Humanismo (Quincas Borba)
Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas
chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquirem forças para
transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em
abundância: mas, se a duas tribos dividirem em paz as batatas do campo,
não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, neste
caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina
a outra e recolhe os despojos. (...) ao vencido, ódio ou compaixão; ao
vencedor, as batatas.
Machado de Assis
domingo, 27 de abril de 2014
História
"A sexualidade humana é sempre uma construção cultural, e a do povo brasileiro resulta da conjunção de três matrizes. O modelo sexual hegemônico dos donos do poder fundava-se na moral judaico-cristã, fortemente marcada pela “sexofobia” – uma espécie de medo dos prazeres sexuais. Do outro lado, os modelos periféricos indígena e africano caracterizavam-se pela grande permissividade sexual, nos quais os próprios deuses tribais reproduzem as práticas carnais dos humanos. Para evitar tais ameaças desestabilizadoras, diversas instâncias da Igreja no Brasil colonial se mobilizaram, impondo como modelo único a moral católica, baseada no Antigo e Novo Testamentos e no Catecismo Romano publicado pelo Concílio de Trento (1545-1563).
A moral sexual católica tinha como traços fundamentais o tabu da nudez, a monogamia, a indissolubilidade do matrimônio sob o comando do patriarca, a virgindade pré-nupcial e a forte condenação da homossexualidade e do travestismo. De forma oportunista, tolerava-se o pecado mortal da prostituição, um mal necessário para garantir a pureza das donzelas casadouras. Na contramão de moral tão rígida, as culturas sexuais dos indígenas e africanos escravizados lidavam tranquilamente com a nudez, praticavam a poligamia generalizada e os tabus escandalosos de incesto para os cristãos. Além disso, conviviam pacificamente com praticantes do homoerotismo e do travestismo tanto masculino quanto feminino (...)"
Historiador Prof Mott
História
"O machismo ibérico assumiu no Novo Mundo uma feição muito mais agressiva do que a observada em Portugal e Espanha à época das Descobertas. Nas Américas, somente com extrema violência e autoritarismo a minoria branca senhorial conseguia manter submissa a enorme massa populacional de índios, negros e mestiços. Daí ter-se desenvolvido um código de hipervirilidade, que repelia entre os machos brancos, como se repele a peste, qualquer conduta ou atitude efeminada, pois ameaçavam os alicerces da manutenção dessa sociedade profundamente hierárquica. Aí está a raiz do machismo e da homofobia à brasileira, filhos bastardos da escravidão(...)"
História
" Desde os primórdios da colonização, a primeira e constante cruzada dos jesuítas, franciscanos e demais missionários era combater a nudez de índios e africanos, obrigando os senhores a providenciar roupas para tapar as vergonhas de seus cativos", diz Luiz Mott em seu artigo. "Também lutaram incansavelmente para limitar os tratos ilícitos e a mancebia dos brancos com mulheres de cor, erradicar a bigamia e a poligamia, além de reprimir os praticantes do abominável pecado de sodomia. Muitas foram as estratégias utilizadas pela hierarquia eclesiástica na repressão às sexualidades desviantes, interpretadas como ciladas do demônio contra a salvação dos filhos de Deus: o catecismo ensinado nas igrejas com ênfase no sexto Mandamento, “não pecar contra a castidade”, as pregações nos púlpitos e nas santas missões ameaçando os imorais com o fogo do inferno, as devassas episcopais e as visitações do Santo Ofício que percorriam de tempos em tempos grande parte da América portuguesa, estimulando denúncias e confissões de desvios da moral sexual.
História
Numerosos colonos foram denunciados à Santa Inquisição, não só por adotarem comportamentos sexuais condenados como pecados mortais – incluindo supostas cópulas com o próprio Demônio – mas também por desafiarem a moral divina, defendendo, por exemplo, que não era pecado manter relação sexual com índias, desde que se lhes pagasse nem que fosse com uma camisa. Outros defendiam proposições heréticas, como a de que casar era melhor do que ser padre e fazer voto de castidade, embaralhando a hierarquia celestial na qual as virgens e os religiosos celibatários estavam mais próximos do trono de Deus do que os casados, as viúvas e as ex-prostitutas.
Todas as pessoas eram obrigadas a se confessar ao menos uma vez por ano, por ocasião da Páscoa. O pecador tinha que desfazer uniões sexuais não permitidas sob o risco de não receber a absolvição e ir direto para o inferno após a morte. Era indispensável a todo católico o “certificado de desobriga”, podendo ser multado ou até degredado para a África caso se tratasse de um desviante sexual público e notório. Enquanto os párocos e os bispos reprimiam com advertência e multa os adúlteros e amancebados, os inquisidores perseguiam os bígamos, sodomitas e padres que assediavam sexualmente suas penitentes. Mais de uma centena destes desviantes sexuais foram presos e penaram rigorosos castigos nos cárceres secretos da Inquisição de Lisboa", conforme relata em seu artigo o prof. Mott.
" Para aterrorizar os faltosos e inibir novas delinquências, a Igreja proclamava suas sentenças condenatórias na mesma freguesia onde viviam e onde cometeram tais escândalos imorais. Além disso, abusou da pedagogia do medo, aplicando castigos públicos, como o imposto em 1591 pelo visitador do Santo Ofício em Salvador contra Felipa de Souza, 35 anos, costureira, culpada de diversos namoricos com outras mulheres(...)
" O Tribunal da Santa Inquisição seria extinto apenas em 1821. Só então a Igreja perdeu o poder de prender, açoitar, sequestrar e queimar os delinquentes sexuais. Três séculos desta ferrenha repressão deixaram sequelas: o Brasil é destaque mundial em casos de abuso sexual, gravidez de adolescentes, altíssimos índices de contaminação pela Aids por relações sexuais, crimes homofóbicos. A moral cristã errou em perseguir bígamos, sodomitas, libertinos e livres pensadores."(Historiador Prof. Mott)
Baudelaire
A Música
A música p'ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!
O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d'um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;
Sinto vibrar em mim todas as comoções
D'um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões
Conseguem a minh'alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrivel me exaspera!
Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
sábado, 26 de abril de 2014
Sê Rei de Ti Próprio
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
Ricardo Reis, in "Odes"
Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto
sexta-feira, 25 de abril de 2014
Horst Mahler
Horst Mahler (Haynau, atual Chojnów, 23 de janeiro de 1936) é um ex-advogado e defensor de ideologias extremistas alemão. Ex-militante de extrema-esquerda, foi um dos fundadores da Fração do Exército Vermelho, também conhecido como Grupo Baader-Meinhof, em 1970. Depois de se converter ao maoismo, nas últimas décadas mudou radicalmente seu pensamento político e tornou-se um ativista da extrema-direita e do neonazismo, fazendo parte, por alguns anos, do ultra-conservador Partido Nacional Democrata Alemão.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Horst_Mahler
Rote Armee Fraktion
Fração do Exército Vermelho (alemão: Rote Armee Fraktion ou RAF), também conhecida como Grupo Baader-Meinhof, (alemão: Baader-Meinhof-Gruppe) foi uma organização guerrilheira alemã de extrema-esquerda, fundada em 1970, na antiga Alemanha Ocidental, e dissolvida em 1998. Um dos mais proeminentes grupos extremistas da Europa pós-Segunda Guerra Mundial, seus integrantes se autodescreviam como um movimento de guerrilha urbana comunista e anti-imperialista, engajado numa luta armada contra o que definiam como um "Estado fascista".
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fra%C3%A7%C3%A3o_do_Ex%C3%A9rcito_Vermelho
http://www.baader-meinhof.com/
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Arrigo Barnabé - Poema em linha reta
Nunca conheci que tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões de tudo
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita
Indesculpavelmente sujo
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante
cesta feira
oxalá estejam limpas
as roupas brancas de sexta
as roupas brancas da cesta
oxalá teu dia de festa
cesta cheia
feito uma lua
toda feita de lua cheia
no branco
lindo
teu amor
teu ódio
tremeluzindo
se manifesta
tua pompa
tanta festa
tanta roupa
na cesta
cheia
de sexta
oxalá estejam limpas
as roupas brancas de sexta
oxalá teu dia de festa
Paulo Leminski
quarta-feira, 23 de abril de 2014
ENTRE MUITAS OCUPAÇÕES
Entre muitas ocupações
muito urgentes
esqueci-me
de que também há que
morrer
frívolo
abandonei esta obrigação
ou ocupei-me dela
superficialmente
a partir de amanhã
tudo mudará
começarei a morrer com esmero
de maneira sensata com optimismo
sem perda de tempo
TADEUSZ RÓŻEWICZ
POR VEZES
Quando conheces alguém
mais inteligente ou mais estúpido do que tu -
não faças caso disso.
As formigas e os deuses,
acredita, sentem o mesmo.
Que exista mais gente na China,
digamos, que em San Marino,
não é uma desgraça.
A maioria das pessoas, sem dúvida, é
mais negra ou mais branca que tu.
Por vezes és um gigante,
qual Gulliver, ou um anão.
Em algum lugar ou outro estás sempre a descobrir
uma beleza ainda mais radiante,
alguém ainda pior.
És medíocre,
felizmente. Aceita-o!
Sete graus centígrados a mais
ou a menos no termómetro -
e estarias além da salvação.
HANS MAGNUS ENZENSBERGER
terça-feira, 22 de abril de 2014
TU E EU E O MUNDO
Não perguntes quem tu és e quem eu sou
e porque tudo é.
Deixa os professores tratarem disso,
pois são pagos.
Põe a balança da casa sobre a mesa
e deixa a realidade pesar-se.
Põe o casaco.
Apaga a luz da entrada.
Fecha a porta.
Que os mortos embalsamem os mortos.
Estamos a andar aqui, agora.
O que usa botas de borracha brancas
és tu.
O que usa botas de borracha pretas
sou eu.
E a chuva que cai sobre nós ambos
é a chuva.
WERNER ASPENSTRÖM
segunda-feira, 21 de abril de 2014
domingo, 20 de abril de 2014
Sermão do Bom Ladrão: Padre Antônio Viera
"O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com
pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.(...)
Se o Rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão
e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e
merecem o mesmo nome."
pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.(...)
Se o Rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão
e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e
merecem o mesmo nome."
Sinto em Mim (Mler ife Dada)
Medo sinto em mim de sentir palavras mentir.
Ânsia sinto em mim de viver o mundo a correr.
Vida sinto em mim acordar na rua dançar.
Dança sinto em mim seu vibrar guitarra cantar.
Fogo sinto em mim aquecer teu corpo aquecer.
Sede sinto em mim de beber teu sangue a arder.
Sangue sinto em mim a ferver nas veias correr.
Força sinto em mim a rasgar meu peito gritar.
Alma sinto em mim p’ra cantar um grito no ar.
Fúria sinto em mim. Flechas sinto em mim. Mágoa sinto em mim.
Risos sinto em mim. Força sinto em mim. Horas sinto em mim.
Lobos sinto em mim. Corvos sinto em mim. Garras sinto em mim.
Morte sinto em mim.
Diário de uma Poetisa
"Não sei quando comecei a buscar esta pessoa. Não sei mesmo quem é, não a conheço.
É estranho como e quando a busquei. Eu já não sou eu mesma, sou meus olhos.
Procurem. Entre as folhas mortas, entre as árvores filosóficas, no sim e no não, no
revés e no direito, em um copo de água e em minha sede de sempre."
Alejandra Pizarnik
É estranho como e quando a busquei. Eu já não sou eu mesma, sou meus olhos.
Procurem. Entre as folhas mortas, entre as árvores filosóficas, no sim e no não, no
revés e no direito, em um copo de água e em minha sede de sempre."
Alejandra Pizarnik
Música!
Prefiro a música.
Porque ela ouve o meu silêncio e
ainda o traduz,
sem que eu precise me explicar!
Porque ela ouve o meu silêncio e
ainda o traduz,
sem que eu precise me explicar!
sábado, 19 de abril de 2014
Bairro Livre
Meti o bivaque na gaiola
e saí com um pássaro na cabeça
Então não se faz a continência
perguntou o comandante
Não
não se faz a continência
respondeu o pássaro
Ah bom
desculpe julgava que se fazia a continência
disse o comandante
Ora essa toda a gente se pode enganar
disse o pássaro.
(1900-1977)
[Tradução de Eugénio de Andrade]
sexta-feira, 18 de abril de 2014
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Os Últimos Dias
Que a terra há de comer
Mas não coma já.
Ainda se mova,
para o ofício e a posse.
E veja alguns sítios
antigos, outros inéditos.
Sinta frio, calor, cansaço;
pare um momento; continue.
Descubra em seu movimento
forças não sabidas, contatos.
O prazer de estender-se; o de
enrolar-se, ficar inerte.
Prazer de balanço, prazer de voo.
Prazer de ouvir música;
sobre papel deixar que a mão deslize.
Irredutível prazer dos olhos;
certas cores: como se desfazem, como aderem;
certos objetos, diferentes a uma luz nova.
(...)
Carlos Drummond de Andrade
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Sátira a Hipocrisia
Na obra de James Ensor, "A Entrada de Cristo em Bruxelas", toda a sátira a hipocrisia
humana. O interessante é observar que nada mudou...religião e política, sempre de
mãos dada para a dominação.
humana. O interessante é observar que nada mudou...religião e política, sempre de
mãos dada para a dominação.
HAMLET, LOUCO COMO SEMPRE
O Computador J.S. Bach
compõe música
para acompanhar anúncios televisivos
de poltronas anti-obesidade.
O Computador Leonardo
está a pintar o original mil e um
da Mona Lisa
enviando encomendas para os primeiros milionários
da lista de inscritos.
O Computador Hemingway
escreve memórias
para políticos arruinados.
O Computador Napoleão
está a preparar
materiais para uma nova variante
de guerra psicadélica.
O Computador Galileo
está a retraír a sua teoria
de um universo elástico.
O Computador Seneca
está a tratar com a ONU da questão das mulheres
e dos suicídios em massa
das baleias.
O Computador Adão
e o Computador Eva
estão a fazer novos computadores.
O Computador Hamlet
encravou,
e repete incessantemente
uma estranha pergunta sem sentido.
DANIEL HEVIER
COM O MOTOR DESLIGADO
Ao atravessar a fronteira
entre
beleza e banalidade
sobresai um homem
cansado de inventar poemas.
Não tem nada a declarar
com a excepção de alguma
trivialidade inútil.
DANIEL HEVIER
terça-feira, 15 de abril de 2014
björk : sun in my mouth
i will wade out
till my thighs are steeped in burning flowers
I will take the sun in my mouth
and leap into the ripe air
Alive
with closed eyes
to dash against darkness
in the sleeping curves of my body
Shall enter fingers of smooth mastery
with chasteness of sea-girls
Will i complete the mystery
of my flesh
I will rise
After a thousand years
lipping
flowers
And set my teeth in the silver of the moon
till my thighs are steeped in burning flowers
I will take the sun in my mouth
and leap into the ripe air
Alive
with closed eyes
to dash against darkness
in the sleeping curves of my body
Shall enter fingers of smooth mastery
with chasteness of sea-girls
Will i complete the mystery
of my flesh
I will rise
After a thousand years
lipping
flowers
And set my teeth in the silver of the moon
segunda-feira, 14 de abril de 2014
domingo, 13 de abril de 2014
Estou enfiado na lama.
É um bairro sujo.
Onde os urubus tem casas.
E eu não tenho asas.
Mas estou aqui em minha casa
Onde os urubus têm asas
Vou pintando, segurando as paredes do mangue do meu quintal
Manguetown
Andando por entre os becos
Andando em coletivos.
Ninguém foge a cheiro sujo
Da lama da manguetown
Andando por entre os becos,
Andando em coletivos
Ninguém foge a vida suja
Dos dias da manguetown
Esta noite sairei
Vou beber com meus amigos há
E com asas que os urubus me deram ao dia
Eu voarei por toda a periferia
Vou sonhando com a mulher
Que talvez eu possa encontrar
E ela também vai andar
Na lama do meu quintal.
Manguetown
Andando por entre os becos,
Andando em coletivos
Ninguém foge ao cheiro sujo
Da lama do manguetown
Andando por entre os becos,
Andando em coletivos
Ninguém foge a vida suja
Dos dias da manguetown
Andando por entre os becos,
Andando em coletivos
Ninguém foge ao cheiro sujo
Da lama do manguetown
Andando por entre os becos,
Andando em coletivos
Ninguém foge a vida suja
Dos dias da manguetown
Fui no mangue catar lixo,
Pegar caranguejo,
Conversar com urubu.
Fui no mangue catar lixo,
Pegar caranguejo,
Conversar com urubu.
Fui no mangue catar lixo,
Pegar caranguejo,
Conversar com urubu.
Fui no mangue catar lixo,
Pegar caranguejo,
Conversar com urubu...
Um Homem com uma Dor
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me resta
sofrer, vai ser minha última obra.
Leminski
E Daí? (A queda)
Tenho nos olhos quimeras
Com brilho de trinta velas
Do sexo pulam sementes
Explodindo locomotivas
Tenho os intestinos roucos
Num rosário de lombrigas
Os meus músculos são poucos
Pra essa rede de intrigas
Meus gritos afro-latinos
Implodem, rasgam, esganam
E nos meus dedos dormidos
A lua das unhas ganem
E daí?
Meu sangue de mangue sujo
Sobe a custo, a contragosto
E tudo aquilo que fujo
Tirou prêmio, aval e posto
Entre hinos e chicanas
Entre dentes, entre dedos
No meio destas bananas
Os meus ódios e os meus medos
E daí?
Iguarias na baixela
Vinhos finos nesse odre
E nessa dor que me pela
Só meu ódio não é podre
Tenho séculos de espera
Nas contas da minha costela
Tenho nos olhos quimeras
Com brilho de trinta velas
E daí?
sábado, 12 de abril de 2014
Skip James- Hard Time Killin' Floor Blues
Hard time here and everywhere you go
Times is harder than ever been before
And the people are driftin' from door to door
Can't find no heaven, I don't care where they go
Hear me tell you people, just before I go
These hard times will kill you just dry long so
Well, you hear me singin' my lonesome song
These hard times can last us so very long
If I ever get off this killin' floor
I'll never get down this low no more
No-no, no-no, I'll never get down this low no more
And you say you had money, you better be sure
'Cause these hard times will drive you from door to door
Sing this song and I ain't gonna sing no more
Sing this song and I ain't gonna sing no more
These hard times will drive you from door to door
Canto de Agonia
Agonia de amor, agonia bendita!
- Misto de infinita mágoa e de crença infinita.
Nos desertos da Vida uma estrela fulgura
E o viageiro do Amor, vendo-a triste, murmura:
- Que não chore assim! Que nunca chore como
Chorei, ontem, a sós, num volutuoso assomo,
Numa prece de amor, numa delícia infinda.
Delícia que ainda gozo, oração, prece que ainda
Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre
Mágoas soluço, até que esta dor se concentre
No âmago do meu peito e de minha saudade.
Amor, escuridão e eterna claridade....
Augusto dos Anjos
Sarcasmo
Sarcasmo (do grego antigo σαρκασμός "sarkasmos" ou
"Sarkázein"; Sarx=“carne” Asmo= queimar “queimar a carne”) designa um
escárnio ou uma zombaria, intimamente ligado à ironia
com um intuito mordaz quase cruel, muitas vezes ferindo a sensibilidade
da pessoa que o recebe. A origem da palavra está ligada ao facto de
muitas vezes mordermos os lábios quando alguém se dirige a nós com um
sarcasmo mordaz.
O sarcasmo é uma figura de estilo muito utilizada nas artes orais e escritas, designadamente na literatura e na oratória. Fyodor Dostoyevsky foi um dos grandes representantes do uso deste recurso estilístico, definindo-o como "o último refúgio dos modestos e virtuosos quando a privacidade das suas almas é invadida vulgar e intrusivamente"
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sarcasmo
O sarcasmo é uma figura de estilo muito utilizada nas artes orais e escritas, designadamente na literatura e na oratória. Fyodor Dostoyevsky foi um dos grandes representantes do uso deste recurso estilístico, definindo-o como "o último refúgio dos modestos e virtuosos quando a privacidade das suas almas é invadida vulgar e intrusivamente"
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sarcasmo
Perto do osso a carne é mais gostosa
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
Paulo Leminski
Chamo-Te
Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio E suportar é o tempo mais comprido. Peço-Te que venhas e me dês a liberdade, Que um só de Teus olhares me purifique e acabe. Há muitas coisas que não quero ver. Peço-Te que sejas o presente. Peço-Te que inundes tudo. E que o Teu reino antes do tempo venha E se derrame sobre a Terra Em Primavera feroz precipitado.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Benditas Cadeias!
Fico feliz por me sentir escravo
De um encanto maior entre os encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.
De ver min'alma com tais sonhos, tantos
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos!
Cruz e Souza
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Somos finos como papel
Somos finos como papel. Existimos por acaso entre as porcentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez pensemos demais. Sinta mais, pense menos.
Charles Bukowski
Pudesse Eu
Pudesse eu não ter laços nem limites Ó vida de mil faces transbordantes Para poder responder aos teus convites Suspensos na surpresa dos instantes!
Sophia de Mello Breyner Andresen
A MOSCA DO SERVIÇO DE URGÊNCIA
A velha está sentada na sala de espera.
Chegou amparada pela filha, que a depositou ali
enquanto trata dos papéis. A aflição
deve ter sido tão súbita e imperiosa,
que a velha vem descomposta,
não houve tempo para atender a pudores.
Perdeu algures um chinelo.
Está sentada, muito branca, e parece
mascar as dores com as gengivas nuas.
Tem a morte pousada na cara, sob a forma
de uma mosca insistente e de ar atarefado.
Não tem forças para a sacudir.
A mosca aproxima-se da boca, depois parece
interessar-se pelo nariz. Delicia-se
com o muco ao canto do olho, como a criança
que come a ocultas um gelado interdito.
É como se estivesse em casa e percorresse
os aposentos ao sabor dos afazeres.
Cansada do rosto, levanta voo
e vai pousar, desta feita, numa mão.
Mas breve volta atrás, como se se tivesse
esquecido ali de alguma coisa,
e demora-se um pouco a tentar lembrar o quê.
Esfrega uma na outra as patas dianteiras,
celebrando a vitória que logo virá.
A velha já nem se dá conta
desse penúltimo escárnio da morte.
Está visivelmente madura para ela,
pronta a entregar-lhe os destroços do corpo.
Consumada a posse daquele território,
a mosca vai no seu voo fortuito
em busca de mais carne a requerer.
Há dezenas de doentes na sala.
Apalpa-os um por um, como se faz aos figos,
para saber qual deve ser comido
em primeiro lugar.
O mais certo é que acabe - mais dia, menos dia -
por devorá-los todos.
A. M. PIRES CABRAL
quinta-feira, 10 de abril de 2014
A MÃO
Vinte e sete ossos,
trinta e cinco músculos,
cerca de duas mil células nervosas
em cada uma das pontas dos cinco dedos.
É quanto basta
para escrever Mein Kampf
ou A Casinha do Ursinho Puff.
Wisława Szymborska
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