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sábado, 30 de agosto de 2014

Ecos dos anos 30

 


As tendências da economia parecem caóticas e insondáveis até percebermos que há algo que lhes está subjacente. Esse algo é a política.

O sistema económico em que vivemos assenta na produção de bens e serviços motivada pela prossecução do lucro. Esse lucro, em termos simplificados, corresponde à parte do preço desses bens e serviços que permanece nas mãos dos empresários uma vez remunerados os trabalhadores e pagas as matérias-primas e custos intermédios. E por sua vez, essas matérias-primas e insumos intermédios são produzidos noutras empresas nas quais o rendimento também se reparte entre empresários e trabalhadores, pelo que em termos agregados e de forma simplificada (abstraindo das rendas, impostos e juros), os lucros são tanto maiores quanto menores são os salários e vice-versa.

Entre Cila e Caríbdis


Em consequência disso mesmo, a produção neste sistema vive numa tensão permanente entre duas fontes potenciais de bloqueio: lucros demasiado baixos, por um lado; e lucros demasiado elevados, por outro. Se os lucros forem demasiado baixos, os níveis de investimento tendem a reduzir-se e a dinâmica da produção tende a estagnar. Mas lucros demasiado elevados também conduzem à estagnação da produção, pois provocam a concentração do rendimento, desigualdade crescente e estagnação da procura.
A estagnação da procura neste segundo caso resulta do facto das empresas venderem maioritariamente os seus bens e serviços a trabalhadores - pelo que se a parte dos salários for sistematicamente comprimida, os empresários vêem as suas vendas reduzidas. Em termos mais rigorosos, o que sucede é que os segmentos da população com rendimentos mais elevados têm uma menor propensão para o consumo (poupam uma parte maior do seu rendimento), pelo que a dinâmica da procura depende mais fortemente dos segmentos com rendimentos mais reduzidos (que correspondem maioritariamente aos trabalhadores).

Oferta, procura e política


Acontece que a forma como o rendimento, nestes termos agregados, é repartido entre classes e segmentos da população, sendo uma questão económica, é no essencial determinada na esfera da política. Quando o poder relativo dos trabalhadores é maior (por exemplo, porque o Estado assegura um salário indirecto maior por via da educação, saúde e habitação públicas; porque impõe uma salário mínimo mais alto; ou porque são prosseguidas políticas que asseguram a proximidade ao pleno emprego), estamos em presença de um regime que assegura a dinâmica do ponto de vista da procura, mas que contém dentro de si a semente da estagnação da produção pelo lado da oferta, devido à compressão dos lucros. Quando o poder relativo dos empresários é maior (por exemplo, porque o desemprego e as medidas de flexibilização do mercado de trabalho pressionam os salários em baixa; ou porque a redução dos impostos sobre o capital e sobre os rendimentos mais elevados obrigam à redução dos salários indirectos), estamos em presença de um regime que assegura a dinâmica do ponto de vista da oferta, mas que contém dentro de si a semente da estagnação da procura.
Neste segundo tipo de regime, as crises podem ser adiadas por um factor adicional: a expansão do crédito, que permite compensar o efeito negativo da desigualdade sobre a procura. Mas é uma solução inevitavelmente temporária, pois está constrangida pela capacidade de endividamento dos agentes económicos, que mais cedo ou mais tarde atinge o seu limite. Isso acontece normalmente de forma abrupta e espectacular, sob a forma de crises financeiras, como sucedeu em 1929 ou 2007-08. Superficialmente, são crises financeiras; a um segundo nível, são crises de deflação de dívida; estruturalmente, são crises económicas resultantes da desigualdade e da estagnação da procura.

Ecos dos anos 30


A história económica das economias avançadas nos séculos XX e XXI corresponde a uma oscilação entre estes dois tipos de regime e entre estes dois tipos de crise. As primeiras décadas do Século XX foram um período de aumento do poder relativo do capital, máximos históricos de desigualdade, financeirização, endividamento - e, nos anos que se seguiram a 1929, deflação súbita e brutal do endividamento acumulado, também conhecida como Grande Depressão. A crise estrutural seguinte - dos anos '70 - foi do tipo oposto: pleno emprego, crescimento dos salários directos e indirectos e compressão dos lucros, resultando por fim na redução do investimento e numa conjugação de inflação com a estagnação da produção (a chamada "estagflação"). E uma vez que essa crise foi resolvida através da instauração de um regime - o neoliberalismo - que voltou a provocar a oscilação do pêndulo no sentido oposto (compressão dos salários directos e indirectos, novos máximos históricos de desigualdade, financeirização, endividamento), seguiu-se uma nova crise global de deflação da dívida quando a solução temporária esbarrou finalmente contra os seus limites.
É o que estamos a viver desde 2007 - e é um eco, uma repetição, dos anos '30. A grande diferença, e não é despicienda, é que nos anos '30 a deflação da dívida foi feita bruscamente, enquanto que na actual crise a desalavancagem está no essencial por fazer, entre outros motivos porque foi acomodada pelo sector público. Por isso, em vez de uma "Grande Depressão" relativamente circunscrita no tempo, temos uma "Grande Estagnação" prolongada. A ideia, já perfeitamente adoptada pela ortodoxia, de uma "estagnação secular" que terá tomado conta das economias avançadas corresponde, no fundo e noutros termos, ao reconhecimento da crise por resolver do neoliberalismo.

Crise e oportunidade


Dito isto, uma coisa é identificar a natureza da crise, outra coisa é superá-la. Por mais que a imagem do pêndulo seja atractiva, a verdade é que não há nada de automático que conduza à reinstauração de um regime mais favorável aos salários e à procura. Após a crise dos anos '30, foram cruciais para isso a socialização da produção no contexto da 2ª Guerra Mundial, por um lado, e o espectro da "ameaça vermelha" a leste, por outro. O momento presente é, claramente, muito diferente. Mas neste entretecer da economia, da política e da história, o futuro está em aberto. Está-o sempre, aliás. E isso é tanto um perigo como uma oportunidade.

(publicado originalmente no Expresso online)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Mundo do Turismo Sexual Infantil





Fonte: http://elpais.com/elpais/2014/08/07/planeta_futuro/1407435469_195076.html

Russian Gas In Europe


Fonte: http://rt.com/business/178988-russia-ukraine-gas-transit/

«Um mundo financeiro que actua sem rei nem roque»



 «De facto, não é nesta reparação que agora foi feita, dos problemas causados no BES, que está, porventura, o problema essencial. Todos os que temos uma grande perplexidade, pelo que está a acontecer, temos porventura que dar um passo atrás e perceber em que mundo vivemos. E na verdade nós vivemos num mundo em que as economias dos países, a vida das pessoas, as suas expectativas, o seu futuro, estão profundamente determinadas, porventura profundamente manipuladas, por lógicas financeiras poderosíssimas. Por lógicas financeiras que desequilibram estruturalmente o mundo em que vivemos. Não é um caso português, é um caso do mundo, evidentemente.
(…) Claro que perante problemas desta natureza, evidentemente que o regulador é, muitas vezes (como está a acontecer agora) alguém que esbraceja muito mas que na verdade faz, parece-me a mim, uma pobre e triste figura. Relembremos a posição do governador (e evidentemente não é o Dr. Carlos Costa que está aqui em causa, o que está aqui em causa é o Banco de Portugal, a regulação bancária e a lógica em que vivemos). Em Abril de 2011, o governador Carlos Costa dizia aos bancos portugueses, aconselhava-os (ou melhor, ordenava-lhes), que deixassem de financiar a dívida pública portuguesa. Porque eles eram a “parte sã”, enquanto a República era “o problema”. (…) Ou seja, o governador estava convencido que a banca portuguesa, o sistema bancário português (…), e dizia isso aos seus interlocutores banqueiros, eram a parte sã. Ora bem, hoje foi “o problema” quer dizer a República, a dívida pública, que teve que ir intervir, do modo que sabemos.
(…) Eu há muito tempo que clamo que a gestão pública, e a qualidade da gestão pública, pede meças à gestão privada. E pede meças em muitas circunstâncias e não é preciso chegarmos a este ponto, em que verdadeiramente estamos a falar de libertinagem. Eu acho que é este o termo que deve ser adequado para nos descrever aquilo que o governador do Banco de Portugal nos descrevia ontem. Eu acho que todos os que ouvimos ontem, em directo, apesar daquela solenidade, daquela bela tapeçaria que estava por detrás, daquele ar solene dos membros do Conselho de Administração (que são obviamente pessoas respeitáveis), o que ouvimos ontem – dito pelo governador – é verdadeiramente confrangedor. O que ele nos esteve a dizer foi que não foi capaz de ver o tamanho da montanha porque, em pouco tempo (de Junho para Julho), aquele Conselho de Administração que ele tinha mantido em funções, lhe tinha desobedecido, o tinha enganado, e porventura o tinha traído. E isso por quê? Porque há um conjunto de coisas que verdadeiramente saem do perímetro da regulação que o Banco de Portugal é capaz de fazer.
(…) O que está aqui em causa é que o mundo em que isto ocorre (…), um mundo financeiro que actua sem rei nem roque, porque é disso que se trata (nós ouvimos ontem, candidamente, o governador explicar-nos que havia uma série de coisas que lhe escapavam ao controle), (…) é um mundo estruturalmente desequilibrado, em que a regulação – houve muita gente que acreditou na regulação – [falhou].
(…) Ao que é que nós assistimos ontem? Assistimos a uma operação, para tapar um buraco, com uma tecnologia fácil. Isto é, se a si, ou a mim, dessem quase cinco mil milhões de euros, públicos, a bom preço, nós eramos capazes, evidentemente, de fazer uma boa parede, como o Banco de Portugal fez com esta solução. E eu desejo, muito sinceramente, que esta solução funcione (…), mas temo, justamente porque nós não sabemos muitas coisas. Como digo, usar dinheiro público deste modo é fácil, mas não sabemos contudo o que vem por aí. Até por uma razão muito simples: toda esta cultura, que é uma cultura profundamente danosa, devo dizê-lo, da financeirização, ocorre sobre uma grande iliteracia. Eu recordo-me que ainda há pouco tempo, há pouco dias quase, gestores de conta do BES me aconselhavam a comprar obrigações do BES.
(…) Eu acho muito bem que se possa gerar um clima de confiança, mas eu acho que é muito importante gerar um clima de prudência. De prudência para as pessoas e para as suas decisões. (…) [E há] uma absoluta urgência de uma revisão radical do modo como as economias, como o mundo financeiro está organizado.»


Fonte: ladroesdebicicletas.blogspot.pt